domingo, 31 de março de 2013

Harmônicos de Canos




Já faz um bom tempo que tenho planejado escrever este artigo sobre um assunto que esbarrei acidentalmente navegando pelos sites de tiro esportivo.
É um assunto extremamente importante para tiro de precisão, e ainda assim pelo que tenho acompanhado nos fóruns é muito pouco considerado.


Fundamentos teóricos

Ressonância é um fenômeno físico. Todo sistema mecânico possui frequências naturais de vibração. São frequências onde a vibração possui maior amplitude. Um exemplo onde se pode entender este fenômeno, é o de um balanço. Se empurrarmos no ritmo certo(frequência) o balanço oscila cada vez com maior amplitude, porém se tentarmos empurrar no momento inadequado, a nossa ação atrapalhará a oscilação.
Chama-se de harmônicos as frequências que são múltiplos da frequência de ressonância. O termo harmônicos deriva do termo matemático (função harmônica). A figura 1 mostra um cano vibrando em sua frequência fundamental.




Figura 1 - Vibração do cano na frequência fundamental (fonte Mark Wright)




Ao se criar uma perturbação(tiro), esta se propaga pelo cano a até a extremidade com velocidade acima de 5000m/s. Esta perturbação reflete na extremidade e volta, refazendo o caminho no caminho contrário. As ondas que vão, se sobrepõem (interferência) às ondas que voltam. Pontos onde os efeitos se somam são chamados de ventres e pontos onde os efeitos se anulam são chamados de nodos.


Figura 2 - Onda estacionária



Figura 3 – Forma de vibração de uma barra fixa. Fonte Bill Calfee
Quando a extremidade do cano é livre, na ponta do cano forma-se um ventre. A figura 3 mostra a vibração do cano no terceiro harmônico.


A frequência de vibração depende somente das características mecânicas do cano. Assim como em uma corda de violão, uma perturbação mais intensa ou mais suave, não altera a frequência de vibração.





Figura 4 - Vibração do cano (fonte Mark Wright)




A Figura 4 mostra a extremidade de um cano vibrando na direção vertical. Se este movimento for sendo registrado com o decorrer do tempo, obtém-se a figura na forma de onda (senóide).
Assim como uma criança brincando em um balanço, a velocidade vertical do cano é menor nas extremidades e maior no centro da oscilação.


Figura 5 - Vibração do cano e pontos de saída dos projéteis (fonte Mark Wright)


Segundo Mark Wright, a Figura 5 esquematiza a vibração do cano nos primeiros 10ms após o início da vibração. As letras A e B representam os instantes ideais de saída de projéteis de mesma marca e os números 1 e 2 representam os tiros sucessivos de uma outra marca de projétil.  Considerou-se que a diferença de tempo entre as duas marcas é o mesmo. Fica evidente que a distância entre os disparos 1 / 2 é maior que A / B. Também é de conhecimento dos atiradores que mesmo nas armas de alto desempenho, existe diferença nas velocidades de saídas de diferentes chumbos da mesma marca (algo em torno de 2%) e se a saída ocorrer na região não ideal a distância nos POI (pontos de impacto)  será maior.
Acredito que a frase repetida nos fóruns quase como um mantra de que é a carabina que escolhe o chumbo tenha sua explicação principalmente neste fenômeno, visto que a vibração do cano ocorre em 3 dimensões e não somente verticalmente. Devido a diferentes velocidades, chumbos que deixam o cano na região não ideal espalham mais que os chumbos que partem na região ideal. Fazer um chumbo que parece inadequado para uma determinada arma transformar-se em um chumbo adequado, é possível somente com o ajuste adequado na vibração do cano (harmonic tunning), conforme relatado por Tom Gaylord em seu artigo Pellet velocity versus accuracy test: Part 11.
Por que o  tunning melhora a precisão para um chumbo? (e piora para outros tipos)? Simples: o tunning altera a frequência de vibração, alterando o intervalo ideal de saída dos projéteis! Se o comportamento do cano mudar de maneira que o chumbo deixe o cano na região ideal, este chumbo irá agrupar bem. É evidente que se melhorar para alguns deve piorar para outros.  E também é fácil perceber que chumbos mais uniformes agrupam melhor que chumbos irregulares.
Essa vibração em 3D também explica porque mudanças na velocidade de saída do projétil não alteram somente a direção vertical do POI.
Por outro lado, a primeira pessoa a analisar  este fenômeno e sua influência na precisão foi Bill Calfee, e segundo seu artigo I´m feeling good vibrations again(Precision Shooting Magazine, Março de 2005), o modo de vibração dos canos é o mostrado na Figura 2. A ideia defendida por Bill Calfee, sugere que quanto mais próximo de um ponto nodal de vibração se encontrar a coroa do cano, menor seria a oscilação desta ponta e consequentemente melhor seria a precisão do conjunto.
 




Um pouco de números


A expressão da Figura 6 permite o cálculo da frequência de ressonância de um cano de aço.






Figura 6 - Fórmula para calculo da frequencia de vibração de um cano (valores em milímetros) - Fonte Mark Wright

Como exemplo, uma HW77 com um cano de 37cm de comprimento, 15mm de diâmetro e calibre 4.5mm, possui uma frequência de vibração de aproximadamente 80Hz. Isto significa que na figura 1, do ponto B até o ponto A, tem-se um intervalo de tempo de 3,125ms (3,125 milésimos de segundo). Considerando que o projétil tenha uma aceleração constante até sair do cano, a velocidade ideal segundo a teoria de Mark Wright seria por volta de 240m/s.
Já na proposta de Bill Cafee, o nodo no 3º harmônico está a 2/3 do comprimento do ponto de fixação do cano. Ainda utilizando o exemplo da HW77, que com um supressor, tem um tamanho total de 54cm, 2/3 de 54cm estaria a 36cm, bem próxima à ponta do cano. Uma carabina nesta configuração do atirador Anderson Yukio Monnerat Kushida, tem apresentado uma precisão que permite pontuações acima de 230 pontos no BR.
Na minha HW97 com cano de 24cm e 31cm com o muzlle, segundo o modelo do Mark Wright, a velocidade recomendada seria de 220m/s, o que coincide com a velocidade do chumbo que melhor agrupa que é o JSB Hevy de 10.3 grains.

Sintonia do cano


Nem sempre é possível ajustar a velocidade do projétil, ou alterar o comprimento do cano, assim a alternativa para melhorar a precisão é alterar a frequência de ressonância do cano. Alguns dispositivos são fabricados para serem fixados na ponta do cano e com ajustes milimétricos encontrar a configuração ideal para um determinado tipo de chumbo.

Figura 7 - Sintonizador de cano

A revista Airgun World, na edição de março de 2013, apresenta um artigo sobre air stripper e a conclusão do autor Mike Wright é que o dispositivo melhora a precisão não por retirar a turbulência do ar da trajetória do chumbo, mas sim por auxiliar na sintonia do cano.


Figura 8 - Figuras do artigo de Mark Wright (Airgun World março de 2013)

Considerações Finais


Este tema tem ocupado uma boa parte  do tempo deste humilde atirador, sendo difícil encontrar unanimidade nas teorias. A eficácia é comprovada na prática, porém as explicações ainda não são totalmente unificadas e aceitas. É importante que atiradores que fazem mudanças em suas armas, instalando canos de fabricantes famosos, percebam que é necessário um estudo para se determinar qual seria o comprimento correto para o cano, em função da velocidade de projétil pretendida para a arma.
Também existem outros fatores que afetam a precisão, como passo de raiamento, qualidade do acabamento mecânico, tolerância nas dimensões etc.
O presente artigo apresenta algumas considerações sobre  teorias apresentadas  por outros pesquisadores sobre a influência da vibração na precisão das armas de pressão, espera lançar mais um tema para debate na comunidade de atiradores.