Já faz um bom tempo que tenho planejado escrever este artigo
sobre um assunto que esbarrei acidentalmente navegando pelos sites de tiro
esportivo.
É um assunto extremamente importante para tiro de precisão,
e ainda assim pelo que tenho acompanhado nos fóruns é muito pouco considerado.
Fundamentos teóricos
Ressonância é um fenômeno físico. Todo sistema mecânico
possui frequências naturais de vibração. São frequências onde a vibração possui
maior amplitude. Um exemplo onde se pode entender este fenômeno, é o de um
balanço. Se empurrarmos no ritmo certo(frequência) o balanço oscila cada vez
com maior amplitude, porém se tentarmos empurrar no momento inadequado, a nossa
ação atrapalhará a oscilação.
Chama-se de harmônicos as frequências que são múltiplos da
frequência de ressonância. O termo harmônicos deriva do termo matemático
(função harmônica). A figura 1 mostra um cano vibrando em sua frequência
fundamental.
Figura 1 - Vibração
do cano na frequência fundamental (fonte Mark Wright)
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Ao se criar uma perturbação(tiro), esta se propaga pelo cano
a até a extremidade com velocidade acima de 5000m/s. Esta perturbação reflete
na extremidade e volta, refazendo o caminho no caminho contrário. As ondas que
vão, se sobrepõem (interferência) às ondas que voltam. Pontos onde os efeitos
se somam são chamados de ventres e pontos onde os efeitos se anulam são
chamados de nodos.
Figura 2 - Onda estacionária
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Figura 3 – Forma de
vibração de uma barra fixa. Fonte Bill Calfee
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Quando a extremidade do cano é livre, na ponta do cano
forma-se um ventre. A figura 3 mostra a vibração do cano no terceiro harmônico.
A frequência de vibração depende somente das características
mecânicas do cano. Assim como em uma corda de violão, uma perturbação mais
intensa ou mais suave, não altera a frequência de vibração.
Figura 4 - Vibração
do cano (fonte Mark Wright)
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A Figura 4 mostra a extremidade de um cano vibrando na
direção vertical. Se este movimento for sendo registrado com o decorrer do
tempo, obtém-se a figura na forma de onda (senóide).
Assim como uma criança brincando em um balanço, a velocidade
vertical do cano é menor nas extremidades e maior no centro da oscilação.
Figura 5 - Vibração
do cano e pontos de saída dos projéteis (fonte Mark Wright)
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Segundo Mark Wright, a Figura 5 esquematiza a vibração do
cano nos primeiros 10ms após o início da vibração. As letras A e B representam
os instantes ideais de saída de projéteis de mesma marca e os números 1 e 2
representam os tiros sucessivos de uma outra marca de projétil. Considerou-se que a diferença de tempo entre
as duas marcas é o mesmo. Fica evidente que a distância entre os disparos 1 / 2
é maior que A / B. Também é de conhecimento dos atiradores que mesmo nas armas
de alto desempenho, existe diferença nas velocidades de saídas de diferentes
chumbos da mesma marca (algo em torno de 2%) e se a saída ocorrer na região não
ideal a distância nos POI (pontos de impacto) será maior.
Acredito que a frase repetida nos fóruns quase como um
mantra de que é a carabina que escolhe o chumbo tenha sua explicação
principalmente neste fenômeno, visto que a vibração do cano ocorre em 3
dimensões e não somente verticalmente. Devido a diferentes velocidades, chumbos
que deixam o cano na região não ideal espalham mais que os chumbos que partem
na região ideal. Fazer um chumbo que parece inadequado para uma determinada
arma transformar-se em um chumbo adequado, é possível somente com o ajuste
adequado na vibração do cano (harmonic
tunning), conforme relatado por Tom Gaylord em seu artigo Pellet velocity versus accuracy test: Part
11.
Por que o tunning
melhora a precisão para um chumbo? (e piora para outros tipos)? Simples: o tunning altera a frequência de vibração,
alterando o intervalo ideal de saída dos projéteis! Se o comportamento do cano
mudar de maneira que o chumbo deixe o cano na região ideal, este chumbo irá
agrupar bem. É evidente que se melhorar para alguns deve piorar para
outros. E também é fácil perceber que
chumbos mais uniformes agrupam melhor que chumbos irregulares.
Essa vibração em 3D também explica porque mudanças na
velocidade de saída do projétil não alteram somente a direção vertical do POI.
Por outro lado, a primeira pessoa a analisar este fenômeno e sua influência na precisão
foi Bill Calfee, e segundo seu artigo I´m
feeling good vibrations again(Precision Shooting Magazine, Março de 2005),
o modo de vibração dos canos é o mostrado na Figura 2. A ideia defendida por
Bill Calfee, sugere que quanto mais próximo de um ponto nodal de vibração se
encontrar a coroa do cano, menor seria a oscilação desta ponta e
consequentemente melhor seria a precisão do conjunto.
Um pouco de números
A expressão da Figura 6 permite o cálculo da frequência de
ressonância de um cano de aço.
Figura 6 - Fórmula
para calculo da frequencia de vibração de um cano (valores em milímetros) - Fonte Mark Wright
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Como exemplo, uma HW77 com um cano de 37cm de comprimento,
15mm de diâmetro e calibre 4.5mm, possui uma frequência de vibração de
aproximadamente 80Hz. Isto significa que na figura 1, do ponto B até o ponto A,
tem-se um intervalo de tempo de 3,125ms (3,125 milésimos de segundo).
Considerando que o projétil tenha uma aceleração constante até sair do cano, a
velocidade ideal segundo a teoria de Mark Wright seria por volta de 240m/s.
Já na proposta de Bill Cafee, o nodo no 3º harmônico está a
2/3 do comprimento do ponto de fixação do cano. Ainda utilizando o exemplo da
HW77, que com um supressor, tem um tamanho total de 54cm, 2/3 de 54cm estaria a
36cm, bem próxima à ponta do cano. Uma carabina nesta configuração do atirador
Anderson Yukio Monnerat Kushida, tem apresentado uma precisão que permite
pontuações acima de 230 pontos no BR.
Na minha HW97 com cano de 24cm e 31cm com o muzlle, segundo
o modelo do Mark Wright, a velocidade recomendada seria de 220m/s, o que coincide
com a velocidade do chumbo que melhor agrupa que é o JSB Hevy de 10.3 grains.
Sintonia do cano
Nem sempre é possível ajustar a velocidade do projétil, ou
alterar o comprimento do cano, assim a alternativa para melhorar a precisão é
alterar a frequência de ressonância do cano. Alguns dispositivos são fabricados
para serem fixados na ponta do cano e com ajustes milimétricos encontrar a
configuração ideal para um determinado tipo de chumbo.
Figura 7 - Sintonizador de cano
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A revista Airgun World, na edição de março de 2013,
apresenta um artigo sobre air stripper e a conclusão do autor Mike Wright é que
o dispositivo melhora a precisão não por retirar a turbulência do ar da
trajetória do chumbo, mas sim por auxiliar na sintonia do cano.
Figura 8 - Figuras do artigo de Mark Wright (Airgun World março de 2013)
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Considerações Finais
Este tema tem ocupado uma boa parte do tempo deste humilde atirador, sendo
difícil encontrar unanimidade nas teorias. A eficácia é comprovada na prática,
porém as explicações ainda não são totalmente unificadas e aceitas. É
importante que atiradores que fazem mudanças em suas armas, instalando canos de
fabricantes famosos, percebam que é necessário um estudo para se determinar qual
seria o comprimento correto para o cano, em função da velocidade de projétil
pretendida para a arma.
Também existem outros fatores que afetam a precisão, como
passo de raiamento, qualidade do acabamento mecânico, tolerância nas dimensões
etc.
O presente artigo apresenta algumas considerações sobre teorias apresentadas por outros pesquisadores sobre a influência
da vibração na precisão das armas de pressão, espera lançar mais um tema para
debate na comunidade de atiradores.