sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Saga das Bolas de Isopor



(Também conhecido por Etapa Final do Campeonato Brasileiro 2012)

A modalidade Bench Rest no tiro esportivo exige dos atiradores muita precisão. A mosca possui 2,5mm e fica posicionada a 25m do atirador. Todos os detalhes devem ser considerados pelo atirador para que seja possível acertar um alvo tão pequeno. Condição da arma, solidez do apoio, técnicas de acionamento, seleção de chumbos, leitura das condições climáticas etc. No quesito condições climáticas a pressão atmosférica, temperatura e principalmente o vento devem ser considerados pelo atirador. Para ter uma percepção da intensidade e direção do vento, usamos as bandeiras de ventos.
Figura 1 - Bandeiras de Vento by Igor Porto




A bandeira de vento é um elemento indispensável para competição em alto nível. A aba com a seta indica a direção, a fita permite uma avaliação da intensidade e a esfera bicolor evita erros de perspectiva.
O projetista escolheu uma esfera de isopor, que é composta de dois hemisférios. Foi feito um furo em um dos hemisférios, por onde foi inserida a haste. Cada hemisfério foi pintado de uma cor. O transporte das bandeiras de vento, apesar das bases desmontáveis, exige espaço e cuidados especiais. As bolas de isopor no projeto original não podem ser removidas e como são feitas de um material frágil tornam o transporte, um desafio de logística.
Ao ocupar o 2º lugar no ranking da categoria USBR no campeonato brasileiro de 2012, participar da etapa final e presencial no Rio de Janeiro tornou-se uma meta a ser alcançada. O transporte escolhido foi o aéreo, porém depois de comprada a passagem veio a surpresa: somente 23kg para a bagagem. Após gastar algumas horas planejando como dividir a bagagem e os equipamentos, resolvi alterar o projeto original para que pudesse desmontar as bolas de isopor. O resultado está na figura 2.



Figura 2 - Bola de isopor longitudinal
Com as bolas podendo ser desmontadas, foi necessário, criar um sistema para transporta-las em segurança. Decidi fazer um canudo de cartolina e carrega-las na mão durante a viagem.
Malas prontas, viagem de carro até Uberlândia para pegar o avião com destino ao Rio de Janeiro. Malas pesadas, arma de pressão, fiquei um pouco nervoso ao fazer o check in, porém todo o procedimento ocorreu bem. Enquanto aguardava sentando a hora de ir para o embarque, veio a funcionária da companhia aérea, com o canudo com as bolas de isopor. Ufa! Depois de tanto trabalho só faltava esquece-las em Uberlândia.



Figura 3 - Tubo de cartolina para transporte das bolas de isopor
Embarcado, viagem tranquila, até o destino final. Rio de Janeiro! Na saída do aeroporto, não me lembrava do nome do hotel que tinha feito reserva,  fui consultar no Ipad. Percebo que estava sendo observado por um rapaz com alguns panfletos e logo sou abordado com uma solicitação para empréstimo do meu tablet. “Sr. Preciso comprar uma passagem que só está sendo vendida pela Internet. Posso usar seu Ipad?” O sentido aranha disparou e rapidamente guardei o equipamento, justifiquei que era só wifi e fui andando. O rapaz já começou a gritar que ele estava falando comigo e que não era para dar as costas, que eu estava regulando mixaria e que eu merecia ser assaltado....
Entrei rapidamente no taxi, e dirigi-me ao hotel. Ao chegar no hotel, pego minhas malas, e apetrechos e vou fazer o check in. Nisso o motorista do taxi entregou para o rapaz da portaria do hotel minhas bolas de isopor que eu estava esquecendo no interior do taxi. Ufa! Depois de tanto trabalho só faltava esquece-las no taxi.
Instalado, começo a abrir as malas para preparar os equipamentos para a competição. Ligo para o colega Flávio para saber se valeria a pena ir ao CNTE, mas pela hora (15:30) fui informado que era melhor ficar no hotel. Ótimo, assim dá tempo de procurar areia para colocar no sandbag recém-comprado. O pessoal do hotel gentilmente cedeu um pouco de areia de manutenção, e com um peneira comprada em uma loja de utilidades ao lado do hotel, comecei o processo de enchimento do sandbag.
Neste instante comecei a sentir um mau cheiro. Pensei que droga de hotel. Tem algo podre aqui no quarto. Comecei a investigar o banheiro, armário, debaixo da cama, debaixo do colchão, travesseiros, cobertas, gavetas do criado mudo.... Não encontrei nada.
Lembrei-me que em um treino em Uberlândia, eu havia pisado acidentalmente no rejeito de uma vaca. Fui verificar o calçado e não pude detectar o foco do odor. Ao revirar a mala, percebo a fonte do odor: um apoio de madeira para o rear bag. Neste instante pude perceber porque o rapaz na madeireira recusou-se a cobrar pelo pedaço de madeira que depois vim descobrir chamar-se “pau b*sta”. Após usar o toco na prova, este com certeza não voltaria para Araxá.
À noite, participei de uma reunião entre atiradores e comissão técnica, onde pude conhecer alguns expoentes do tiro brasileiro. Pude também constatar colegas preocupados em promover o esporte e infelizmente outros atiradores preocupados somente com o próprio umbigo.
Após a reunião, um bate papo agradável no restaurante com atiradores mineiros e maranhenses. No dia seguinte acordar cedo, pois o ônibus providenciado pela CBTE saia às 7:00Hs. Ao chegar no ônibus, fui saudado por um atirador: “Você deve ser o Ashidani!”. “Sou eu” respondi alegremente. Depois descobri que ele estava se referindo ao meu primo Wilson Ashidani que pratica Tiro defensivo... Desfeita a confusão, e algumas risadas pela coincidência, seguimos a caminho do CNTE.
Depois de uns 30 minutos no trajeto, veio a lembrança: “ Esqueci as bolas de isopor no quarto!!!!” Rapidamente comecei a bolar planos para resolver a encrenca: “chegando lá pego um taxi e volto para o Hotel, pego as bolas e volto para o CNTE”... Porém depois que vi a distância que fica o CNTE do hotel desisti da ideia e consolei-me em usar as bandeiras de vento sem as bolas de isopor....
Chegando no CNTE, fiquei deslumbrado... Realmente instalações maravilhosas. Fui acompanhando o movimento do grupo, e acabei me instalando no estande de 50m.


Figura 4 - Estande 50m
 
Admirando as carabinas maravilhosas dos atiradores, fui modestamente montando minha parafernália na única mesa de BR que achei no local. Neste momento chega ao local o companheiro de Fórum Gera, que apareceu para participar. Após breves palavras, Gera sai e volta informando que o BR é em um outro estande e que será somente na parte da tarde...
Guardei as tralhas e fui para o loca correto.

Figura 5 - Estande duelo, USBR, Mira aberta 25 e 50


Enquanto aguardava o horário da prova fui apreciar o andamento de outras modalidades. 

Figura 6 - Estande 10m


Andando de um lado para outro, deslumbrado com o ambiente maravilhoso, querendo acompanhar todas as provas. Quase me esqueço de comer algo. Muito calor demanda o consumo de muito líquido, providenciado na cantina do local.
Agora entendo porque jovens que vão para jogos olímpicos muitas vezes tem um desempenho fraco. Na hora do almoço percebi que estava cansado, com as pernas doloridas. Resolvi descansar e me concentrar um pouco. Fiquei no estande de tiro 10m, que tinha ar condicionado.
Enquanto apreciava as provas no ar condicionado, uma grata surpresa. Meu primo Wilson Ashidani, aparece e diz que está na competição de tiro defensivo. Demos umas voltas para mostrar aos atiradores que haviam 2 Ashidani´s!
Hora da prova, monto minha parafernália, composta de front rest, rear bag, toco fedido, chumbo, bandeiras de vento, pellets de limpeza, nível bolha, carabina, luneta etc. Começa um vento que inexistia na parte da manhã. Perto da mesa onde eu estava, ventava em minha direção, no meio da pista ventava em direção ao alvo e perto do alvo ventava para a esquerda. Achei que a denominação que um colega deu para as bandeiras de vento extremamente adequada: “Birutas”. As bandeiras estavam girando para todo lado!
Caprichei na prova, porém nos últimos 4 alvos não fui muito bem. Percebi que a pressão do cilindro da arma havia caído abaixo do limite regulado. Infelizmente os cilindros disponibilizados pela CBTE estavam com pouco ar. Lição aprendida: Levar cilindros completos de casa ou encher logo que chegar ao local de competição!
Minha pontuação final foi 240 pontos, o que foi muito boa considerando a condição de vento. Acabei empatado em 1º na etapa o que permitiu manter minha posição de 2º colocado no ranking nacional.
De volta para o hotel, peguei um balde de KFC, comi e fui dormir. Quase perdi o ônibus no dia seguinte, que saiu novamente às 7 horas. O detalhe é que deveríamos realizar o checkout. Após pagar dirigi-me ao ônibus. Um rapaz veio correndo trazendo as bolas de isopor que quase havia esquecido no balcão do hotel! Ufa! Depois de tanto trabalho só faltava esquece-las no hotel.
Finalmente as bolas de isopor chegaram ao local de competição! Só que com 1 dia de atraso...
Assisto a mais algumas provas e aguardo a premiação.

Figura 7 - Pódio USBR


A equipe de Minas Gerais, composta por Flávio, eu e o Lobão, conquistou o 1º lugar.
Imediatamente após a premiação, peguei o ônibus que iria levar os atiradores ao aeroporto. Chegando no aeroporto, novamente o stress de fazer o checkin de malas pesadas, carabina de pressão. Desta vez teve mais uma novidade, que o pessoal da infraero não deixou eu embarcar com minha bagagem de mão, assim tive que despachar ela também. Felizmente o pessoal da companhia não cobrou o excesso de gabagem. Voltei correndo para o embarque, quando a funcionária da Trip entregou-me as bolas de isopor que eu havia esquecido no balcão da companhia aérea. Ufa! Depois de tanto trabalho só faltava esquece-las no RJ.
Na escala em BH, encontrei com o colega Flávio Vieira, que havia vindo com uma aeronave que partiu do galeão (eu tinha vindo do Santos Dumont). Após escutar todas as aventuras das bolas de isopor, Flávio comentou que já teria largado elas para trás a muito tempo.
Eu respondi que, com tantas coisas conspirando em favor das bolas de isopor, os deuses do tiro poderiam me punir caso eu as jogasse fora. Assim elas voltaram sã e salvas para Araxá.